O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) representa um marco no processo penal brasileiro, inserido com a promulgação da Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime. Desde então, tornou-se uma importante ferramenta de justiça penal negociada, proporcionando celeridade processual e efetividade na responsabilização de determinados crimes.
Neste artigo, você vai entender o que é o ANPP, quais são seus requisitos legais, como funciona na prática e qual é o impacto dessa inovação para o sistema de justiça criminal brasileiro.
O que é o Acordo de Não Persecução Penal?
O ANPP é um instrumento despenalizador, ou seja, uma alternativa à instauração da ação penal, aplicável a infrações penais sem violência ou grave ameaça, com pena mínima inferior a quatro anos. Por meio dele, o Ministério Público pode oferecer ao investigado a possibilidade de cumprir condições ajustadas, sem a necessidade de abertura de um processo penal.
Essa ferramenta visa evitar o prolongamento de processos penais desnecessários; além disso, reduz a morosidade da Justiça e, consequentemente, promove a ressocialização de forma mais eficiente.
Base legal
O ANPP está previsto no artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP), incluído pelo Pacote Anticrime:
Art. 28-A – Não sendo o caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática da infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Quais são os requisitos para o ANPP?
Para que o ANPP seja aplicado, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
- Confissão formal e circunstanciada do investigado sobre o fato delituoso;
- O crime não pode ter sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa;
- O delito deve ter pena mínima inferior a quatro anos;
- Ausência de reincidência em crime doloso, salvo se insignificante;
- O acordo deve ser suficiente e necessário para reprovação e prevenção do crime, conforme avaliação do Ministério Público.
Além disso, a proposta deve ser feita antes do oferecimento da denúncia, ou seja, ainda na fase de investigação.
Condições que podem ser impostas no acordo
O Ministério Público pode estabelecer condições específicas que o investigado deve cumprir, entre elas:
- Reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
- Renúncia voluntária a bens e direitos relacionados ao crime;
- Prestação de serviço à comunidade;
- Pagamento de prestação pecuniária;
- Cumprimento de outras condições indicadas pelo Ministério Público, desde que proporcionais e razoáveis.
Importante: essas condições são negociadas entre as partes e homologadas judicialmente.
Quem propõe e quem decide?
O ANPP é proposto exclusivamente pelo Ministério Público. Uma vez firmado, o acordo deve ser homologado por um juiz, que verifica sua legalidade, adequação e voluntariedade.
Cabe destacar que, caso o juiz não homologue o acordo, deverá fundamentar sua decisão e devolver os autos ao Ministério Público para nova análise, conforme previsto no §5º do artigo 28-A do CPP.
Quais são os efeitos do ANPP?
A celebração do ANPP tem como principais efeitos:
- Suspensão do processo penal: não há oferecimento de denúncia;
- Registro: o cumprimento do acordo não equivale à reincidência, mas pode impedir novo acordo no futuro;
- Extinção da punibilidade: se o investigado cumprir integralmente as condições do acordo, o juiz declarará extinta a punibilidade do fato.
No entanto, caso haja descumprimento injustificado das condições, o Ministério Público poderá oferecer a denúncia normalmente.
Diferença entre ANPP, suspensão condicional do processo e transação penal
Para não confundir, veja a diferença entre o ANPP e outros institutos de justiça consensual:
Vantagens do ANPP
- Desafogamento do Judiciário, evitando processos longos e onerosos;
- Celeridade na resposta estatal ao crime;
- Acordo voluntário e proporcional entre as partes;
- Maior efetividade na reparação do dano causado à vítima;
- Instrumento pedagógico com foco na prevenção e ressocialização.
Críticas e desafios
Apesar de suas vantagens, o ANPP também é alvo de críticas, principalmente por:
- Eventual pressão para confissão por parte dos investigados;
- Ausência de ampla defesa durante a fase de negociação;
- Desigualdade de acesso à justiça, pois investigados com assistência jurídica privada tendem a obter melhores condições.
Além disso, ainda há desafios na padronização da aplicação do ANPP, especialmente em relação às condições impostas em cada acordo.
Jurisprudência relevante
A jurisprudência vem consolidando a importância do ANPP no cenário penal. Destacamos:
STJ – Recurso Especial 657.165 (HC 657.165)
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu o ANPP como uma “maneira consensual de alcançar resposta penal mais célere ao comportamento criminoso, por meio da mitigação da obrigatoriedade da ação penal, com inexorável redução das demandas judiciais criminais” Superior Tribunal de Justiça
STJ – Tema Repetitivo 1.098
Mais recentemente, a Terceira Seção do STJ, no julgamento do Tema Repetitivo 1.098, firmou quatro teses fundamentais sobre o ANPP, entre elas:
- O ANPP é um negócio jurídico processual penal com natureza híbrida, possuindo efeitos processuais (evitar a ação penal) e extinção da punibilidade Superior Tribunal de Justiça.
- É possível aplicar retroativamente o ANPP a fatos anteriores à Lei 13.964/2019, desde que ainda não tenha sido recebida a denúncia ou tenha havido condenação definitiva Superior Tribunal de Justiça.
- Se o Ministério Público não propôs o ANPP, mesmo preenchidos os requisitos, deve justificar sua omissão — e o juiz pode ser provocado sobre o assunto Superior Tribunal de Justiça.
- O ANPP continua aplicável para fatos ocorridos após 18 de setembro de 2024, desde que ainda não tenha sido recebida a denúncia.
O Acordo de Não Persecução Penal representa uma evolução significativa no sistema penal brasileiro. Ao priorizar a justiça consensual, esse mecanismo oferece alternativas mais rápidas, humanas e eficazes no tratamento de infrações penais menos graves.
Para os estudantes de Direito, compreender o ANPP é essencial, pois ele reflete uma nova lógica processual baseada na efetividade, celeridade e proporcionalidade da pena.
Dominar esse tema é também estar alinhado com os novos rumos do processo penal e com o futuro da advocacia criminal.